Turistas do mundo, uni-vos… para comprar na China
Em 2024, 132 milhões de visitas internacionais renderam US$ 94,2 bilhões
Houve um tempo, durante a dinastia Tang, em que o deserto de Taklamakan não era um deserto, mas um corredor vivo. As pegadas se renovavam antes que o vento pudesse apagá-las, e a Rota da Seda funcionava como o maior sistema comercial do mundo. De Chang’an — então o cérebro imperial que organizava tudo, hoje Xi’an — partiam caravanas que podiam levar meio ano para alcançar o Mediterrâneo. Não era apenas comércio: era uma coreografia planetária que avançava no ritmo dos camelos. Ninguém precisava de marketing — a seda era sua própria embaixadora, e a porcelana terminava o trabalho com um brilho que nenhum império podia igualar. O Império do Meio não saía para vender. O mundo ia até a China, seduzido por sua combinação — às vezes exagerada — de luxo, mistério e necessidade.
Quinze séculos depois, Pequim volta a tirar poeira desse arquétipo, ainda que com novidades que os Tang atribuiriam à criatividade de Du Fu, um dos grandes poetas da época. Não há mais caravanas, mas planos quinquenais; as especiarias cederam lugar a estímulos fiscais e a códigos QR que funcionam como passaporte universal. Mas a lógica permanece. O objetivo é criar centros globais de consumo que operem como uma espécie de Rota da Seda 2.0, onde turistas internacionais voltem a experimentar aquilo que tanto fascinava mercadores persas e árabes: a sensação de que certas coisas só existem no gigante asiático. A diferença é que agora ninguém espera que o mundo venha por conta própria: a China convida, abre a porta, elimina o visto e promete reembolso de impostos antes mesmo que alguém pergunte o preço.
A decisão de transformar algumas cidades em enormes centros internacionais de consumo — estimulando ao máximo as compras de estrangeiros — é uma das metas do 15º Plano Quinquenal (2026-2030), segundo Liu Xiangdong, vice-diretor do Departamento de Informação e Pesquisa Científica do Centro de Intercâmbios Econômicos Internacionais da China (CIEICh).
Para Liu, “o desenvolvimento desse tipo de cidade e a expansão do consumo de turistas estrangeiros ajudarão na atualização e na melhora da qualidade dos setores comercial, turístico e cultural, além de elevar a popularidade e a influência das cidades chinesas no cenário internacional”.
As palavras de Liu dão continuidade a um movimento iniciado no começo de outubro, quando os ministérios do Comércio e das Finanças anunciaram a seleção iminente de 15 cidades-piloto, que receberiam entre US$ 15 milhões e US$ 30 milhões em dois anos para renovar centros comerciais, diversificar cenários de consumo, promover reembolsos de impostos para estrangeiros e ampliar serviços turísticos em vários idiomas.
Na prática, a China já vinha implementando desde 2018 medidas de incentivo ao comércio internacional, incluindo a atual política de ampliação da isenção de vistos e da otimização do reembolso de impostos a turistas estrangeiros, segundo a agência Xinhua.
Como resultado dessas políticas, o país registrou em 2024 cerca de 132 milhões de visitas internacionais, gerando US$ 94,2 bilhões em gastos — um aumento anual de 77,8%. Esses valores representaram cerca de 0,5% do PIB chinês, número visto com otimismo, apesar de ainda distante dos 1% a 3% das economias líderes nesse setor. “O que outros interpretariam como um problema, nós vemos como enorme potencial de crescimento do consumo estrangeiro”, disse o CIEICh.
Operação sedução
A partir do nada original slogan “Comprar na China”, o plano prevê integrar lojas duty-free e de reembolso de impostos aos cada vez mais explorados recursos turísticos e culturais das cidades chinesas — como Pequim, Xangai, Guangzhou, Shenzhen e Xi’an.
A estratégia inclui aplicativos multilíngues para compras duty-free, destinados a resolver um temor clássico dos turistas: não entender duas palavras em chinês. Para isso, entram em cena ferramentas de tradução por IA e sistemas de pagamento móvel como Alipay e WeChat Pay, compatíveis com cartões internacionais.
“Nos empenharemos para garantir que consumidores de todo o mundo desfrutem de mais facilidades para chegar, mais comodidades ao viajar, mais compras gastando menos, e mais experiências de uma China aberta, inclusiva, diversificada e inovadora”, afirmou recentemente o vice-ministro do Comércio, Sheng Qiuping.
Nesse contexto, a Administração Estatal de Impostos informou que os reembolsos instantâneos de impostos tiveram melhora de 40% em eficiência em 2025, com mais de 7.200 lojas operando no país e um aumento de 186% no número de turistas beneficiados.
“Da última moda à eletrônica, o boom das compras na China está ganhando força junto com a tendência global de viajar pelo país”, disse o ministro da Cultura e Turismo, Sun Yeli, lembrando que cidadãos de 76 países já têm entrada sem visto (unilateral ou mútua) e que as isenções de trânsito foram ampliadas para 55 países e regiões.
Ao que tudo indica, já não há correntes para romper — apenas códigos QR para escanear.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




